'Scout' na empresa Talent Spy, José Pedro Teixeira analisou, a pedido da "Jovens Promessas", o atual panorama do futebol nacional e europeu, destacando, entre outros aspetos, os próximos três atletas a conseguir a afirmação nos plantéis dos três grandes.
Jovens Promessas – Existe "deste lado" um certo desconhecimento em relação à função que desempenha. Em que consiste o dia-a-dia de um 'scout'? Em termos sociais, é uma profissão muito limitante?
José Pedro Teixeira – Antes de mais, há que procurar definir o que entendemos por 'scout'. De acordo com o que tenho encontrado no meio, a palavra 'scout' tanto é utilizada para analista de equipas adversárias, como de observador de jogadores, também conhecido como “olheiro”. Dentro da observação de jogadores, existem igualmente vários tipos de 'scouting'. Desde 'scouts' integrados em estruturas de clubes até 'scouts' que trabalham em modo freelancer, passando por 'scouts' ligados a empresas que funcionam como consultores externos de estruturas de clubes ou mesmo a agências/agentes FIFA. Consoante o enquadramento do 'scout', existe um impacto variado em termos sociais. Como é natural, o 'scout' profissional terá maiores limitações de tempo do que o 'scout' semi-profissional ou amador.
JP – De que modo tem acesso aos jogos que analisa? São todos visionados através de computador ou televisão, ou tem por vezes de ir a um estádio em trabalho?
JPT – Neste momento, no contexto em que estou inserido, o trabalho é maioritariamente realizado por análise de jogos em formato vídeo. O acesso a estes jogos é conseguido através de plataformas específicas de visionamento de jogos ('InStat', 'wyscout',...), bem como através dos canais de desporto portugueses. A ida ao estádio é algo que na 'Talent Spy' não desvalorizamos minimamente e que entendemos ser da máxima relevância, por exemplo, na tomada de decisão efectiva de um 'scout' dentro de uma estrutura de futebol profissional em contexto de clube.
JP – Para além de observador, é também treinador de uma equipa do escalão de iniciados. Quais são, na sua opinião, os principais pontos fortes do futebol de formação em Portugal? E os fracos?
JPT – Os grandes pontos fracos da formação em Portugal estão, fundamentalmente, onde pouca gente procura por eles: no futebol distrital. Existe falta de demasiadas coisas a este nível. Desde capacidade de gestão dos dirigentes à preparação técnica dos intervenientes, passando por algo que é para mim chave: falta gostar mais do jogo do que se gosta de ganhar. Existe ainda uma enorme falta de preocupação com o desenvolvimento do futebol local/distrital por parte das entidades que fazem a gestão do futebol a nível nacional. Um jogador que atue numa 2º divisão distrital num escalão de formação não existe para nenhuma entidade oficial de futebol em Portugal. Devo confessar que não me recordo de ter visto ou tido conhecimento da presença de um único observador/'scout' em representação de uma associação distrital de futebol ou da FPF num jogo em que tenha estado envolvido. Pergunto-me também qual é a real necessidade de termos uma formação de treinadores tão elitista como o IPDJ [Instituto Português do Desporto e Juventude] preconiza logo desde o 1º nível, se o resultado prático é a manutenção de (maus) hábitos de funcionamento na maioria dos locais. Será que preferimos ter treinadores com preparação teórica “top” em 5% dos clubes ou evitar que um atleta de 12 anos toque na bola quatro ou cinco vezes numa sessão de treino de uma hora em 95% dos clubes? E será necessário um ano de curso mais um ano de estágio para ensinar como evitar isto?
Devo concluir dizendo que, no início desta época, estive presente numa acção de formação informal organizada por um clube da zona de Lisboa no qual me apercebi que os conteúdos transmitidos num dia, se difundidos a todos os treinadores em Portugal - com e sem curso -, teriam um impacto mais notório na formação em Portugal do que os cursos de 1000€ que as AF’s têm ministrado a um grupo extremamente reduzido de ex-atletas.
JP – As novas equipas B estão em competição pela terceira temporada consecutiva. Que balanço faz destes três anos?
JPT – O balanço só pode ser extremamente positivo. Foi possível perceber o impacto que as rotinas de jogo em escalão sénior por parte de atletas com 18-20 anos têm na tremenda campanha dos Sub-21 portugueses na qualificação para o Euro 2015 da República Checa. Pegando no exemplo de um jogador de uma das equipas que melhor trabalha a dinâmica equipa B-equipa A, José Sá, constatamos que, nas últimas três épocas, fez apenas 720 minutos oficiais na equipa A. No entanto, a existência da equipa B permitiu-lhe ter mais 4641 minutos oficiais no escalão sénior, algo que lhe dá, garantidamente, outra capacidade para evoluir - em todas as dimensões - como jogador. Qualquer acção tomada no sentido de promover uma maior exposição de um atleta júnior ou juvenil ao contexto sénior deve ser louvada. Basta estar atento ao que sucede em países como a Sérvia (aí sem necessidade de equipas B), Alemanha, entre outros.
JP – Que clube português melhor trabalha ao nível das camadas jovens? É também essa a equipa que faz o mais eficiente aproveitamento dos talentos criados em casa?
JPT – Eu entendo “formação” como todo o processo de preparação de um jogador sénior, desde que começa a jogar futebol. Nesse sentido, o clube que melhor trabalha ao nível das camadas jovens, na minha opinião, terá que ser o que faz o aproveitamento mais eficiente dos próprios talentos. Só poderia responder a essa pergunta conhecendo mais a fundo a forma como funciona cada uma das estruturas de futebol de formação.
JP – Consegue, de forma direta, indicar a 'next big thing' de cada um dos três grandes?
JPT – Como é óbvio, salvaguardem-se as dificuldades inerentes à adaptação à elite, mas são jogadores com idade inferior a 18 anos e com potencial para se afirmarem como futuras mais-valias das equipas A: Rúben Neves, Gonçalo Guedes e Gil Santos.
JP – Realiza-se esta época a segunda edição da UEFA Youth League. Qual é o conjunto com maiores chances de levar para casa o troféu Lennart Johansson? Que promessas sobressaem nessa equipa?
JPT – Chelsea; [Ruben] Loftus-Cheek, [Andreas] Christensen e [Jeremie] Boga.
JP – Está neste momento a decorrer a votação para o prémio Golden Boy 2014. Se fosse escolhido para eleger os três primeiros classificados, quem selecionaria?
JPT – Sterling, Çalhanoglu e Meyer, com necessária menção honrosa para os centrais Laporte e Marquinhos.
JP – Muito se tem falado nos últimos meses sobre a nova fornada da seleção belga. Considera que os "diabos vermelhos" podem, de facto, vir a vencer uma grande competição?
JPT – Sem dúvida. Apesar de tudo, existe uma necessidade evidente de criar dinâmicas de jogo que tirem o melhor do plantel da selecção. Não tenho grandes dúvidas de que só se conseguirão afirmar no panorama internacional caso procurem estabelecer um modelo dando maior relevo à importância da posse de bola no jogo - ideia a ser interpretada tanto sem bola (mais e melhor pressão) como com bola.
JP – Quais as maiores dificuldades com que um atleta se depara na transição para o futebol sénior?
JPT – Seria impossível descrever todas as dificuldades dessa transição, mas destacaria o aumento no ritmo de jogo, com menor tempo para tomada de decisão, maior responsabilidade no contexto da equipa, maior exposição mediática - particularmente, no nível de elite - e, à partida, maior exigência do ponto de vista da leitura táctica do jogo.