sexta-feira, 27 de junho de 2014

Entrevista a Rui Malheiro



Jovens Promessas - Antes de mais, muito obrigado por conceder esta entrevista à "Jovens Promessas". Introduzindo esta conversa, pode explicar-nos em que consistem as suas tarefas como analista do jogo? Que campeonatos observa, quando os observa,...? 


Rui Malheiro - Há campeonatos que acompanho permanentemente, como o português (Primeira e Segunda Ligas), o inglês, o espanhol, o alemão, o francês e o italiano. Noutros, acompanho os jogos que considero mais interessantes por semana, e, claro, todos os campeonatos e jogos que estão relacionados com o meu trabalho. 


JP - Certamente analisa os encontros das equipas B que disputam a Liga 2 Cabovisão e dos juniores dos três grandes. Como encara o atual nível da formação em Portugal?

RM - Sim, sigo atentamente os jogos das equipas B que estão na Segunda Liga, e, sempre que possível, os jogos dos juniores, principalmente os de Benfica e FC Porto. Acho que, depois de anos muito maus, com reflexo no rendimento das selecções e no aproveitamento de jogadores na transição do futebol jovem para o sénior, estamos a atravessar uma fase bem melhor. Acredito que as formações secundárias estão a ser muito importantes nessa evolução, já que permite aos jogadores continuarem ligados ao clube, evitando empréstimos a equipas de divisões inferiores. Contudo, parece-me que existe uma obsessão com as vitórias, quando o mais importante é formar jogadores capazes de representar a equipa sénior. 

JP - Com base em dados estatísticos, muitas vezes se tem afirmado, nos últimos anos, que o Benfica tem a melhor formação do país, tendo já superado o Sporting, clube que tantos jogadores de renome lançou. Concorda com esta ideia que se criou devido ao número de campeonatos nacionais conquistados pelos encarnados e consequente domínio nas convocatórias para as seleções jovens?

RM - Para mim, os títulos na formação são secundários. O crucial é formar jogadores capazes de chegar e jogar na equipa principal. É esse o grande triunfo de um clube formador. 

JP - Na sua opinião, qual é a equipa B que, atualmente, conta com maior qualidade no seu plantel? Pensa que essa qualidade se vai refletir na composição dos plantéis principais, num futuro próximo?

RM - Sim, temos assistido a uma mudança. O Benfica assume um domínio das convocatórias das selecções jovens, algo que não acontecia há muito tempo. O Sporting tem perdido um domínio que foi claro, mas, por outro lado, sobretudo nesta nova gestão, tem levado a cabo a tal promoção de jogadores formados no clube. Foi uma necessidade, é certo, mas os resultados estão a ser positivos.
A equipa B que mais prazer me dá ver jogar é a do Benfica. Tem jogadores tecnicamente mais refinados e uma ideia de jogo mais ofensiva. Contudo, parece-me ter limitações no sector defensivo, que poderão ser superadas com a aposta em jogadores como João Nunes, Alfaiate ou Rebocho, em detrimento de Rudinilson, Wei Huang ou Gianni. 
Contudo, o estilo mais resultadista do FC Porto produziu efeitos e lutaram pelo título até ao fim. É menos espectacular, apesar de possuir jogadores tecnicamente evoluídos, mas nota-se uma grande preocupação táctica e um cinismo importante numa competição como a Segunda Liga. 
O Sporting B, apesar de ter recursos mais limitados, fruto da promoção de jogadores à equipa principal, que é o grande objectivo, como também de alguns empréstimos em janeiro, entre os quais destaco o de João Mário, por ter sido uma grande mais-valia para o jogador, superou as minhas expectativas. 
Das restantes equipas B, vi alguns bons jogadores, mas, em termos colectivos, gostei mais dos jogos que tive a oportunidade de ver do Vitória B no Campeonato Nacional de Seniores. Creio que há jogadores que poderão, na próxima época, jogar na equipa principal. 

JP - Quais as suas expectativas para o próximo Campeonato da Europa de Sub-21? Considera que a equipa portuguesa, composta por jogadores como André Gomes, João Mário, Paulo Oliveira ou Tozé, tem potencial para trazer o "caneco" para casa?

RM - Temos uma equipa sub-21 com muito potencial. Do meu ponto de vista, a melhor dos últimos largos anos. Creio que a qualificação para o Europeu tem tudo para ser consumada, e era importante para o futebol português que tal aconteça, até porque estes jogadores serão opção para o Mundial'2018. Em alguns casos, até admito que daqui a dois anos estejam no Europeu. Quanto a uma vitória no Europeu sub-21, que quando se realizar já será sub-23, não deve ser encarado como uma obsessão. Mas ainda é muito cedo para percebermos o que se poderá passar daqui a um ano, mesmo que me pareça que estamos entre as melhores selecções. 

JP - Certamente, muitos dos nossos leitores gostariam que os jovens craques dos seus clubes fossem referidos nesta entrevista. Que carreira antevê para jogadores como Juan Quintero, Lazar Markovic ou William Carvalho?

RM - Tudo depende muito do acerto nas escolhas em relação aos futuros clubes e da percepção de que é crucial jogar sempre nestas idades por muito bom que seja melhorar as suas vidas do ponto de vista financeiro. Mas a tentação de um salário elevado poderá travar a afirmação. 
O Markovic é um génio, um exemplo da sagacidade de José Boto, responsável pela prospecção europeia do Benfica. O primeiro ano no Benfica fez com que se tornasse mais jogador, percebendo o que é jogar sem bola ou procurar recuperá-la após a perda. Com bola, é tremendo. A capacidade de aceleração com a bola nos pés e a qualidade que evidencia a ziguezaguear e a definir colocam-no entre os melhores jogadores jovens do mundo. 
William é um médio-defensivo inteligente. Ganhou consistência táctica, tornou-se mais forte nos duelos corpo a corpo, percebendo a importância de maximizar a sua dimensão física, e sabe desarmar e antecipar-se, pelo chão ou pelo ar, mesmo que ainda possa reduzir a tendência por fazer pequenas faltas. Ao contrário da ideia que se tentou criar, é inteligente a sair a jogar. sabe quando tem que atrasar, lateralizar ou dar profundidade, mostrando perspicácia a ler o jogo e a gerir os tempos. Ganhou confiança em condução, como também é perigoso a incorporar-se em bolas paradas ofensivas. 
Quintero é um geniozinho. Creio que justificava mais minutos de utilização, sobretudo quando o FC Porto actuou em 4-2-3-1. Quando entrou, fez várias vezes a diferença, porque tem qualidade técnica, poder de drible, visão de jogo e um remate fácil e fulminante. Precisa de ganhar maior maturidade no plano táctico e ganhar mais agressividade sem bola, sem perder, claro está, a magia. A próxima temporada será muito importante em termos futuros, mas o golo contra a Costa do Marfim é a imagem perfeita do que pode ser Quintero. 

JP - Passando agora para o panorama futebolístico internacional, concordou com a atribuição do prémio Golden Boy a Paul Pogba?

RM - Era uma das escolhas possíveis. Não seria a minha primeira opção, mas é um jogador tremendo e que tem tido um papel crucial nas campanhas de sucesso interno da Juventus. 

JP - Quem seria, então, o mais justo vencedor? Considera que alguns dos atletas que figuraram na lista de candidatos ao prémio têm potencial para, daqui a uns anos, lutar pela Bola de Ouro? 

RM - Acho que o prémio foi muito bem entregue. Contudo, gosto mais de ver jogadores como o Draxler, Markovic ou Januzaj. Ainda é cedo para pensarmos no pós Ronaldo e Messi, mas será complicado. 

JP - José Mourinho afirmou várias vezes que está a construir uma equipa para a próxima década. Como imagina o Chelsea, com estes mesmos jogadores, nos próximos anos? Vê no plantel potencial para vencer muitos troféus?

RM - Vejo, até porque o Chelsea, com José Mourinho, não deixará de olhar para o mercado e procurará sempre reforçar-se. Gostava é de ver a equipa mais solta, mais ofensiva e a privilegiar o espectáculo em detrimento do pragmatismo e do tacticismo. Mas ganhar a Premier é muito mais complicado do que há dez anos, pois há mais concorrência (e mais forte). Contudo, não creio que o Chelsea fique um segundo ano consecutivo sem vencer troféus. 

JP - Para acabar esta agradável conversa, qual considera que é a maior dificuldade para um jogador na passagem do futebol de formação para o futebol sénior?

RM - Uma delas são as oportunidades e a tendência da maior parte dos clubes para não olharem tão para dentro como deviam. Noutros casos, é o excesso de ilusão e pensar que ter talento é suficiente. Ou não perceber a falta dele. Esses são logo equívocos que denunciam uma clara limitação na característica crucial num jogador: a inteligência. Há a necessidade de trabalhar, trabalhar, trabalhar sempre. Depois, há também quem não saiba gerir a carreira, os que são mal aconselhados, e os que não acham que o treino e o profissionalismo a sério é o mais importante. Na maior parte dos casos, quando se apercebem, já é tarde. 

JP - Rui, muito obrigado! Foi, sem dúvida alguma, um excelente entrevistado. É um orgulho poder partilhar esta conversa com os nossos leitores. 

RM - Eu é que agradeço. É sempre bom falar sobre futebol com quem partilha essa paixão.

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