sexta-feira, 6 de março de 2015

Entrevista a Paulo Freitas ('Football Manager Head-Researcher' no Brasil)

Paulo Freitas é o principal responsável pela prospeção da Sports Interactive (empresa que produz o jogo Football Manager) no Brasil. Naturalmente, após vários anos em funções, viu o início de grande parte das carreiras dos craques brasileiros e sabe quem serão os próximos. A convite do Jovens Promessas, aceitou comentar alguns temas da atualidade.


Desempenha a função de 'Head Researcher' da Sports Interactive no Brasil há já alguns anos. Como chegou ao cargo? Pode explicar-nos em que consiste exatamente?

Eu era um dos assistentes do pesquisador-chefe anterior, e acabei por assumir o cargo. Originalmente, me tornei assistente após apontar alguns erros na pesquisa e dar as informações certas para corrigi-los.

A pesquisa consiste em atualizar os elencos [plantéis], diretorias e comissões técnicas (treinadores, preparadores físicos, etc...) dos clubes, assim como dar notas aos jogadores de forma que eles correspondam ao que acontece na realidade.

Qual a dimensão da equipa de observadores que colabora consigo e quem os seleciona? Que critérios são utilizados na escolha?

São cerca de vinte pessoas ajudando na pesquisa. Eu os seleciono baseado no conhecimento deles sobre os times [equipas] que vão editar e levando também em consideração o conhecimento deles sobre o jogo. Também considero a postura deles. Por exemplo, alguém muito tendencioso a favor de um time não é escolhido.

Obviamente, tem acesso a todos os grandes nomes do futebol brasileiro antes de estes começarem a ser seguidos na Europa. Se lhe pedisse para apontar cinco atletas que ainda se encontram "escondidos", quem mencionaria?

O atacante Erik, do Goiás, em parte por não jogar num time grande, é relativamente pouco conhecido no exterior, mas esteve muito bem no Brasileirão do ano passado. O meia [médio] ofensivo Lucas Lima, do Santos, é outro que se destacou, sendo um dos melhores do time em 2014, inclusive ofuscando jogadores mais conhecidos como o Robinho e o Gabriel Barbosa.

O Atlético Paranaense tem os meias ofensivos Bruno Mota e Marcos Guilherme, que também são excelentes. O primeiro é um meia clássico. Foi um dos melhores jogadores do time na tradicional Copa São Paulo, enquanto o Marcos Guilherme teve um bom Brasileirão e foi um dos destaques da Seleção no Sul-Americano sub-20. Outro futuro craque é o atacante Judivan, do Cruzeiro. Seu estilo já foi comparado ao do Van Persie. É rápido e habilidoso e tem sido um dos destaques do time neste início de temporada.

Qual é o clube que, a nível de formação, melhor trabalha no Brasil? Tem, neste momento, talentos prontos para a Europa?

O time que melhor trabalha a base é o São Paulo. A estrutura do clube em Cotia [onde se localiza o centro de treinos] é comparável à dos maiores clubes da Europa e o trabalho é feito de forma muito profissional. No entanto, devido à força do elenco do time principal, estes jogadores não recebem tantas chances quanto os que jogam em times menos poderosos, como o Santos, por exemplo. O lateral direito Auro é o que está mais pronto para jogar no exterior, mas o meia Gabriel Boschilia (ver aqui) e o atacante Ewandro também são muito promissores e devem ter sucesso na Europa, no futuro.

O Santos tem boas divisões de base também, embora não tenha a mesma estrutura que o São Paulo. Mas, em parte devido a dificuldades financeiras, é o clube que melhor faz a transição base-profissional, o que explica o sucesso de tantos jogadores em anos recentes, como o Diego, o Robinho e, mais recentemente, o Neymar.

Após a goleada sofrida diante da Alemanha, houve alterações na estrutura, ou em algum outro aspeto, do futebol jovem brasileiro? Na sua opinião, que medidas deveriam ser tomadas?

A Confederação Brasileira de Futebol em geral não admitiu que o desastre contra a Alemanha foi causado por problemas na formação e estrutura do futebol brasileiro. Eles, em vez disso, trataram a derrota como se tivesse sido um acidente. Algumas medidas, no entanto, foram tomadas. Centros de treinamento para jovens estão sendo construídos nos Estados que não sediaram jogos da Copa.

Infelizmente, a medida parece destinada a fracassar, pois não vai haver nenhum tipo de convênio [acordo] com os clubes, e os jogadores vão estar abandonados à própria sorte. Outra medida é a criação de um novo Campeonato Brasileiro Sub-20, mas vai durar apenas três meses, o que parece ser insuficiente para testar os jogadores jovens de forma efetiva.

Eu acredito que, para o futebol brasileiro ficar mais competitivo, toda a estrutura deveria ser modificada. O calendário brasileiro é longo e cansativo, com os campeonatos estaduais e o Brasileirão sendo disputados, além da Copa do Brasil e dos torneios continentais. O ideal seria transformar os estaduais numa espécie de campeonato sub-23. E o Brasileirão deveria ser jogado nos fins de semana durante todo o ano. Com um calendário menos cansativo, os clubes e os treinadores teriam mais tempo para treinar.

Além disso, o Campeonato Brasileiro Sub-20 deveria ser jogado o ano todo, e os clubes deveriam ser responsáveis por administrar a liga, enquanto a CBF cuidaria apenas das seleções. Os clubes deveriam também ser administrados de forma mais profissional e transparente, com os dirigentes a serem punidos por aumentarem as dívidas dos clubes.

O que espera da participação do Brasil no Mundial Sub-20 deste ano?

A Seleção tem vários jogadores promissores, tais como o Gérson [atacante do Fluminense], o Marcos Guilherme e outros que não disputaram o Sul-Americano sub-20, como o Danilo [médio defensivo do Sporting de Braga]. No entanto, o técnico Alexandre Gallo é mal preparado taticamente e parece ter pouco conhecimento sobre os jogadores que jogam no país, tendo ignorado por exemplo o atacante Bruno Gomes, que se tem destacado na base do Internacional.

Por isso, acredito que o Brasil vai ter dificuldade em ir longe no torneio. O time é taticamente fraco e se defende mal, ao mesmo tempo que falta criatividade no meio-campo. Estes problemas foram expostos no Sul-Americano sub-20, quando o Brasil foi derrotado pelas seleções da Argentina, da Colômbia e do Uruguai. A não ser que muita coisa mude até ao Mundial, acho que o Brasil vai alcançar no máximo as semifinais, se não cair antes.

Nos últimos anos, tem-se comentado em Portugal o reduzido número de jogadores "tipicamente brasileiros" que chegam do outro lado do Atlântico. Isto é, há cada vez menos atletas com a irreverência e a finta de rua por que a Canarinha ficou famosa. No Brasil, fala-se sobre esse tema? Quais poderão ser os motivos?

Esse tema já foi discutido aqui. O principal motivo para a mudança de estilo foi o fim dos famosos campos de várzea [onde se praticava futebol de forma amadora e informal, mas organizada], à medida que o Brasil se modernizou durante o século passado. Atualmente, os jogadores são em sua maioria formados nas escolinhas dos clubes, e não mais na rua, como antigamente. Muitos destes jogadores que passam pelas escolinhas dos clubes começam no futsal, antes de passarem para o futebol de campo.

Outra razão para a alteração no estilo é a evolução tática que ocorreu. Os times passaram a jogar com mais volantes [médios-defensivos] e com foco no contra-ataque. Esta alteração ocorreu em parte devido à derrota traumatizante na Copa de 1982 [onde a Canarinha, então conhecida pelo futebol-arte, perdeu contra uma Itália defensiva]. No exterior, se tem também uma visão mais romântica sobre o estilo brasileiro, o que torna chocante o contraste entre as expectativas e a realidade.

Que destaque têm no Brasil os jovens talentosos, brasileiros ou não, que se vão afirmando na Liga Portuguesa? Atualmente, vê algum deles como 'next big thing' do futebol europeu?

Em geral, a imprensa e o público brasileiros não prestam muita atenção no futebol português. Eu gosto muito do Danilo, do Braga, mas sem dúvida o maior destaque é o Anderson Talisca. Ele se adaptou muito rapidamente ao Benfica e muitos aqui querem que ele tenha mais chances na Seleção principal. Acho que vai estar num dos maiores times da Europa em pouco tempo. Certamente tem talento para ter sucesso em qualquer lugar. Entre os jogadores não-brasileiros, gosto muito do Rúben Neves e do William Carvalho.

Por falar nisso, que impacto teve a rápida afirmação do jovem encarnado no seu país natal? O que espera da carreira do atacante?

O Anderson Talisca já era considerado muito promissor antes de ir para Portugal. Era na verdade considerado o melhor jogador jovem do Brasileirão, quando saiu do país. O rápido sucesso dele em Portugal confirmou o que muitos já tinham notado, que ele é um jogador muito promissor e com talento para dar certo em qualquer liga. Acredito que, até meados de 2016, já vai estar jogando em uma das maiores ligas da Europa, e provavelmente vai ter mais sucesso que, por exemplo, o Ramires e o Fernando.




Após vários anos em funções, certamente observou centenas de promessas antes de estas alcançarem a fama. Considerando os que, por um lado, confirmaram o potencial e os que, por outro, passaram ao lado de uma grande carreira, quais os dois mais talentosos que viu jogar?

Os dois mais talentosos que eu vi jogar foram o Neymar e o Diego, ambos ex-Santos. Os dois tiveram sucesso, mas o Diego infelizmente não conseguiu confirmar todo o potencial que tinha.

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